domingo, 17 de agosto de 2008



A vida inteira:
Manoel Bandeira na obra de Maíra Ortins






por josé leite netto








Muitos são os caminhos. O símbolo manchado de sangue espelhado na parede. As partes do corpo e diz o poeta que (Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse). E nasce no útero do verso a dialética do desenho, da gravura e a escultura. As linhas da vida se confluem no pneumotórax da urgência com seus pingos vermelhos, a tirania da morte é superada pela fé de reconstruir – a arte. Reconstruir é o oficio da artista, o criar naquilo que já foi criado, a destreza e o drama. Tudo flui para Manoel Bandeira na obra de Maíra Ortins. O resto fica por conta dos olhos do espectador.



Se transgredir é recriar, digo que é na inquietação e transgreção que montamos, atravez da observação, a vida do poema na pintura ou na escultura. As causas e o efeitos, as evidência no sustentáculo do verso. “Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?”. Visto que o impacto da obra choca e nos faz dançar na chuva. Os objetos de morte espelhados no espaço na imensidão do imaginário, diz: “Belo belo minha bela, Não quero óculos nem tosse.” Ouvi-se o suspiro do martelo na voz do poeta, de leve perfurando a parede. As nossas pobres regras não são contidas na natureza, nossa doce-amarga mania de distinguir isso é belo, aquilo é feio. A natureza, não. A obra é a natureza da arte que por si existe, no tempo e no espaço. Não rejeita, nem é rejeitada. Ilumina-se. Seu pulmão está disperso no branco, o coração pulsa e o vermelho Tosse, Tosse.

Tudo nos surpreende no sucesso do contrário e assim tudo é íngreme pra arte verdadeira. O poema toma nova forma, sua disposição e versificação acompanham linhas, seria o caminho da poesiavida correndo e escorrendo num rio de gesso? A metáfora de Manoel Bandeira foi pintada, desenhada, esculpida. Maíra Ortins uni a literatura as artes plásticas, o velho no novo, o canto que não cala: faz sexo com Bandeira, grita - sangra. E diz o poeta que “Assim eu quereria o meu último poema. Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume.”

“A vida inteira” de Maíra Ortins nos permite que o véu desça. O inédito fica de pé e toma seu caminho – transforma-se: o pigmento, o desenho a nanquim o seu universo de palavra recriado no que surpreende na destreza dos contrários.

domingo, 10 de agosto de 2008

da arte de escrever zine ou
do que serve um poeta na guerra?



por José leite netto




“A mentira não põe em jogo a intra-estrutura da consciência presente”.

Jean-Paul Sartre





É na dialética dos textos e no carisma da expressão da fábula ao realismo que investigo “Coisas que se Contam # 1” de Márcio Araújo e “Só meu Gato me Entende # 12” de Felipe Teixeira. Meio de comunicação dos dois? Fanatic magazine, “edição de fã” com publicação despretensiosa, popularmente conhecida por zine ou fanzine. Em “Coisas que se Contam” o leitor de zine irá se deparar com o conto “Mandarim Dourado”, um surrealismo, um mito criado pela mente do personagem “Seu Alzir” quando garoto. O “Mandarim Dourado” de Márcio Araújo é desprendido, pois é a emoção-ação = inquietação da personagem num universo povoado de vida no símbolo do peixe onde se desenrola a estória que, absurdamente, trato por epopéia reduzida ao conto – síntese – referindo-me a poética e imagética da linguagem até o desfechar do livro, opa! - Zine. A infância do personagem “Alzir” é uma farra de leitura, dado a criatividade do causo do peixe fabuloso tão cobiçado.

“Lá vem ele. – gritavam – o caçador do Mandarim Dourado. Isso era falado de longe (...). Seu Alzir, sim por que ele agora já era homem. Tinha barba na cara e filho no currículo (...).”

É na fantasia do personagem “Alzir” que o peixe toma certas decisões, transcendência e experiência, depois de anos adquire atitudes e laços com gerações passadas o que piora a “psicose” do personagem pescador - “Seu Alzir”. Pois é na subjetividade do personagem “Alzir” que o ser–peixe, “Mandarim Dourado”, pré-existe, e se existe é pela Má-fé, a mentira, a ficção. Compreender a ficção seria compreender o mentiroso que no escritor existe. Nada melhor do que uma mentira bem contada. Assim vou tentando compreender o “Mandarim Dourado” no fenômeno da Má-fé. “(...) Achava que aquele peixe não era mais aquele de sua infância e sim de outra geração(...). Imaginava gerações inteiras de peixes que teria se comprometido com o laço de suas tradições de lhe deixar louco(...)”. Essa é a negação do personagem central para o olhar do EU leitor, a afirmação da existência para a negação, em que chamo de “fábula” ou ficção – mentira. Assim o autor fica consciente da mentira conduzindo o leitor para o caminho da “fábula”.

No sentido inverso, mas no caminho da ficção + mentira = a fuga, o leitor se deparará com o conto “Não se Morre de Saudade” de Felipe Teixeira, no fanzine “Só meu Gato me Entende # 12”. Pois enquanto um (Márcio Araújo) nos fala de ilusão, o outro (Felipe Teixeira) nos fala de dor. Não sou crítico, mas do que serve um poeta na guerra? Nada! No entanto, nos diz Drummond, “a poesia resiste à falsa ordem, que é a rigor, barbárie e caos.” O poeta nomeia a saudade, através da melancolia que o “infarta”. Seu ser abre caminhos e o mundo doa símbolos. O verbo está sempre armado. A palavra é sua arma de dor. Segundo Alfredo Bosi a modernidade pesa mais arduamente sobre o mitopoético que nos dias atuais é furtado pela realidade. E tem razão. Pois morrer de saudade, na primeira fase do romantismo, seria morrer de amor. A saudade é a causa de sua dor, implícita na mentirafuga fazendo com que o leitor some o que a personagem oculta na verdade que o incomoda. “(...) Procurou em suas listas antigas de telefones alguém por quem pudesse sentir saudade. Sem sucesso. Tentou bares, parques, cinemas, cafés, saraus, parada de ônibus, calçadas... em vão (...). Em época de sociedade consumista e embalada pelo capitalismo, a poesia tende a ser mais áspera. E o leitor desatento poderá não encontrar poesia em “Sentia como se seu coração fosse um motor em macha ré”. Há em “Não se Morre de Saudade” de Felipe Teixeira a potência de fuga, o espelho retrovisor da melancolia,a solidão, a psicologia quando a personagem não reconhece a verdade e o desejo de morte no bojo do conto ou o que ouso taxar de pleonasmopoético em “A dor doía”.

A arte de escrever zine se configura pela força de vontade que nos leva a driblar a falta de editora. Não vivemos em um mundo fechado. Estamos vivos e debatendo, ouviram? A única distribuidora e mídia encontram-se na internet e no nosso velho correio, por onde recebi o Fanatic magazine e o desafio do colega poeta e internauta Márcio Araújo.

Apóstolo I


Ao Sr. José Alcides Pinto



Por José Leite Netto*




cai a tarde com um anjo de verso e usual

com rodas de fogo e veloz nos levou

a face, a taça, o vinho e a pena de metal.

o velho está morto! jaz apolíneo e morto



na paranóia do espetáculo o manuscrito

da urgência - o alfabeto do dia-a-dia.

esmaga o crânio de Lúcifer – maldito

& sorri no plenilúnio dos seios das ninfas.



equinócio das vacas, sussurros das coisas,

no tecer da rendeira a violência te calou.

como quem descreve no asfalto doidas


histórias (mortos), dragões X e tuas mágoas

nosso relicário-dor de órbitas e cotidiano

velhas parábolas e prantos em teu manto.




II





veio a noite . e o mar daqui se estica numa rede
a morte sabe o mundo & minha voz silencia
vertical e veloz , Deus é um Drácula eu Oceania.
“ manifesto traído” alegro triste imagem salgada.

encontrei Baudelaire, uma escada, uma rosa
Cristo menino correndo nu jogando bola
às vezes o incomodo com um terço na hora
do cântico e o mundo é visto feito a claque

vai desmaiando, mas há vida nos olhos de Maíra
e o som de Holiday se conflui numa rosa
do meu jardim suspenso, escuto-te numa citara.

caí a chuva e tudo recomeço, escrevo nuvens
amanhece, rejuvenesço o tempo partido
corre feito água ao contrário de um deus Anúbis.



III




espartano ou desejo meu universo de sapo

carrego na bagagem vertigens e caminho

aéreo pássaro sou noite em teu ninho

carcará de orgia, meu bangalô de safira


na saga da ladainha rezam as rendeiras

como chora o boi no basto, chora o menino

tecendo no peito o manhã do seu mimo

enquanto sou desespero, noites e papiro


vida e treva a noite quase doida livro aberto

feito som de pífano e pássaro cantando

voar e vou rindo perdendo memória & ando


com flores que tocam o infinito dos meus pés

no azul imenso sou rio para são Jorge com fé

almejo um tiro de pedra, cálice e luz que nos é.